quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O espectro


Resolvi voltar a escrever baboseiras, sem eira e nem beira, só pra desopilar.



O espectro


No sono dos justos e dos injustos, os sons são os mesmos. Se escuta a respiração alheia, se sentem os braços a te abraçar. Por vezes os espasmos momentâneos, o que o outro estaria sonhando? Ah, o sono da beleza, a hora do descanso, o absorver da vida. A vida que te empurra a preço de ouro agora é apenas descanso. São as horas em que nada vale mais do que apenas fechar os olhos e sonhar. A expectativa do indiferente, o que viria na minha e na sua mente, se apenas fechasse os olhos e no seu sonho pudesse viajar? O sono dura pouco, como os sonhos, como as canções de ninar, que vão se esvaindo com o sono que chega, o boi da cara preta já não quer mais te pegar.

E você apenas sonha... sonha com as coisas que estão por vir. Ou apenas revira a gaveta dos acontecimentos, no fundo dela está o sonho do momento, que alento. Tu acordas e vê o sonho ali. Mas como sonho não se repete, estranho parece, já não é mais sonho, é real. E como todo real, perde o encanto, o conto do brilhante sonho que já foi imaginário. O cheiro do sonho é nulo, mas perfeito a quem sente. O sonho é puro. Sonhei.

E abrindo os olhos te analiso, dormindo feito um anjo, mexendo a boca para falar. Delirando o sonho dos justos, o sonho permanente, a tua busca me inspira a sonhar. E eu percebo que quando tu acordares não me verás como sonhada, mas como viva a teu lado, perdida, escolhendo as palavras certas para não te afastar. Já não és mais meu sonho, mas ainda gosto de te admirar.

E tu apenas te viras, outro rosto me mira, a boca borrada estranha me intriga. Depois tu sorri, perdido na tua própria inocência, emitindo sinais que me farão, com certeza, saber.

Que daquele dia em diante, eu me sentiria mal por te afastares, quase sem querer.
Injusto, mas como todo o sono dos injustos, difícil de entender.
Boa noite, criança. Sonhe com os anjos.
Eles me darão a resposta do teu afastamento justo.
Certo. O teu modo de viver.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009




A gente pode impedir tudo nesta vida. Podemos impedir os sonhos, podemos impedir a amargura, a vingança, a inveja, o livre arbítrio do mal. Nós podemos. E não podemos deixar. Mas se há algo nesta vida que não podemos impedir é o nascer do sol. Sim, todos os dias, mesmo que o tempo esteja nublado e fechado como nosso coração, por vezes. Sim, ele nascerá, perfeito em sua forma, o grande círculo de fogo, o maior de todos os milagres. Porque se eles existem, o nascer do sol é um deles. Quiçá o principal.

Talvez por nunca ter assistido ao nascer do sol - o pôr dele várias vezes - eu jamais tenha entendido o que ele significa. Ele está ali gritando com seus raios - bem vindos a um novo dia - e é como se sua vida chegasse em branco. Brilhante em uma folha de gramatura intensa, pedindo histórias para contar. E são tantas as histórias no mundo, que o sol já apenas as absorve e as delega de volta com um brilho que atravessa a alma. O sol é o mais puro reflexo da renovação, até mesmo do que já parecia velho e perdido. E com o poder dele, uma centelha sempre é acesa no coração daqueles que acreditam que:

A vida não é mecânica e sim sentimental.

O mundo não está perdido, ao contrário das profecias.
Sempre um motivo a mais para sonhar, buscar, viver.
Não há problema maior que o nosso, nem a capacidade de o resolvermos.
O universo que nos é vendido é ilusório, como qualquer desespero momentâneo.


Que há apenas o perfeito nascer e pôr do sol, com seu mecanismo perfeito.
Nem antes e nem depois, como tudo na vida.
Com hora certa para acontecer.
Hoje me dia valeu à pena.

Hoje eu fui dormir vendo o nascer do sol.

domingo, 23 de agosto de 2009

Dissolução




“Ando pensando. O que busco? O que quero? Há lugar depois da curva? Posso me curvar?”

Sentado no banco forrado, olhos petrificados, algo estava errado naquela noite de sexta-feira. Uma madrugada fria, de gente diferente e bizarra por todos os lados. Uns de caso com o acaso, outros tendo muito a explicar. Ah, pensou ele. A vida é cheia de parasitas, alguns mortos vivos. Sou o melhor em tudo, porque me vincular a esta gente? Posso e não posso, é isso que me agonia. Porque meu sangue frio desafia a vida, que insiste em querer se mostrar. E é quando o sol nasce, quando a almofadinha da rotina me chama para descansar, que penso em sumir do mapa, voar. Tenho dedos longos e pensamentos rápidos, sou como um pianista, batendo nas teclas da vida. Sou imortal. Agora aqui, olhos para frente, AVANTE!, me sinto como mais um dos mortos vivos que insistem em respirar. Sou genial.

Mal pensou aquilo e o vento fez a curva. Como num instante que demora 0,5 milésimos de segundo, mesmo tendo o raciocínio tão rápido, ele não acompanhou aquele momento. Se antes seus reflexos estavam comprometidos, desta vez ele viu tudo. Como em um cenário com câmeras desconexas, tudo foi se projetando, uma imagem até então nem pensada nem pelos maiores gênios em 3D. Foi girando, girando, e lembrou-se dos brinquedos que o davam ânsia de vômitos nos parques infantis. A diferença é para as atrações ele havia pagado ingresso e, ainda que relutante na fila, desafiou seus medos para deixar o estômago revirar. Mas para este momento inesperado ele havia comprado o desafio, apenas. O preço era caro demais.

O carro girou, girou e parecia não parar jamais. Que triste fim, ele pensou. Uma vida inteira para trás e para frente. Momentos únicos, vazios e felizes que passou, sem ao menos ter pensado sobre eles. Nas caixas de medicamentos, o êxtase que nunca chegou. A busca envaidecida pelo diferente, a morte que sempre fugia agora estava ali, com um copo de whisky não mão, sorrindo embevecida. Tão podre como o cheiro da pior vala, exalava um perfume que pelo mesmo milésimo de segundo parecia sedutor. Ela estava ali para buscá-lo. Ele teve certeza.

Piscou. Sentiu seu coração gelar. Piscou de novo. Fechou e abriu os olhos. E a morte já não estava mais ali. Havia desaparecido, mas o carro continuava girando. E terminou de girar com um baque surdo, baque que fez os cães da rua acordarem, latindo freneticamente. Ao redor dele, porém, o silêncio era absoluto. Como se não houvesse mais nada ali, além do convidativo olhar da morte. De repente, absorto em suas idéias, ele achou interessante que aquilo houvesse acontecido. Mas lhe causou estranheza que naquele copo, que a morte carregava, não havia whisky – era o que ele havia pensado – e sim um copo de água, refletindo sua agonia ininterrupta. Ele olhou para os lados, as alarmes dos carros o despertaram. E ele ficou ali, olhando nas esquinas, procurando a morte que se avizinhava, mas ela já não estava mais ali. Inspirou. Expirou.

Não muito longe dali, na calçada, a morte caminhava maltrapilha e desorientada, puxada por um cabo invisível de um carro branco que a rebocava. A morte era mesmo teimosa. Era orientada a dar avisos. Mas às vezes insistia em passar dos limites. Como o menino que não encontrou a curva certa. Ainda.

domingo, 9 de agosto de 2009

És capaz de ouvir a canção do vento?


Perdida, entre o milharal, a pequena menina parecia mais uma vítima de si mesmo. Guardando segredos e desejos, parecia flutuar na plantação, procurando significados para tudo. Para tudo, sim, uma contrariedade, porque o óbvio era pequeno demais. Ela queria ver as cores e ouvir a voz do vento. Desafiando, portanto, a vida, saiu em disparada, quando sentiu os primeiros sinais. Ele balançava o milharal, o fenômeno da natureza que mais a agradava. Não havia meias medidas, meias palavras, não havia nada que ela definisse naquele momento. Correu, esbaforida, procurando alcançar a força do vento. Se alcançasse a velocidade, portanto, conseguiria senti-lo mais verdadeiramente, talvez apanhá-lo entre os dedos. Seria muita audácia, mas quem duvidaria da menina, que de longe parecia apenas brincar? E enquanto os produtores enchiam suas carroças com a colheita, a pequena serelepe não titubeava! Corria, o mais rápido que podia, olhando para todos os lados, ângulos, tudo que os olhos pudessem captar. Os agricultores riam entre si, pensando:

- “Pobre menina, pensa que o vento pode pegar. Pobre garota ambiciosa, pensa que a vida pode enganar. A natureza é esperta demais para ela, jamais alguém conseguiria pegar o vento, ainda que em contento, jamais terás alento”. E se puseram a rir, porque a canção do vento (o que diria ela?) não sabia mentir.

Quando não menos esperta a menina surge, mãos fechadas em concha. Olhava para eles com olhos de fascínio, a roupa em pura fuligem, os pés ardendo de tanto correr. E os homens pensaram, “que ela carrega nas mãos”? Seria o vento? Seria possível? A criança fechou as palmas o mais que aguentou, respiração ofegante. Fez mistério, a testa já suando frio. Era chegado o momento.

E ela abriu as mãos, rápida e precisa. Dentre os pequenos dedos, liberta e feliz, saía uma borboleta colorida, as asas ainda desajeitadas. Voou rápido. E se foi. E os homens apenas refletiram, sozinhos em seus pensamentos, que aquela criança era desorientada, prendendo borboletas para depois soltar. Sem admitir, é claro, que por um momento acreditaram que ela havia mesmo aprisionado o vento.

E a menina olhava fascinada, ainda, olhos marejados. Sabia que os eles não compreenderiam. A borboleta colorida era o vento colado às asas, que livre voava, dando cor ao céu. A mais temida e destemida borboleta.

Quem sabe um dia, acreditariam. Já que a vida era nova, a cada momento.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

De joelhos ralados




Ah, coisas de menino. Menino assustado e acuado pela vida. E que menino, assim, não divida, compartilhe, com medo de perder? É menino assustado. É Peter Pan querendo crescer.

Quando me pede um conselho, a vontade é de colocar no colo e afagar os cabelos, olhando para o teto estrelado. Se fosse meu filho não daria tão certo, ou será que quando o vi não reconheci, sim, de outras vidas o fruto de eu mesma? Sim, portanto, com tal alento me pus a conversar e filosofar. E o menino grande filosofa comigo, esperando a mão quente que o encaminha ao pátio pra andar de balanço. E encontra aquela mão autoritária, régua nas mãos, dando aqueles petelecos clássicos de "sôra", pedindo mais calma, mais vida. O menino olha sério, olhos rasos de lágrimas quentes descendo pelo rosto, percebe que o plano não deu certo, era hora de rever as ideias.

E pasmem, ele analisa, friamente calcula o próximo passo. Chuta e a bola cai para o outro lado da cerca. Tenta correr, mas o tênis estava desamarrado e ele cai, se espatifa no campinho de areia, e as lágrimas se intensificam com a queda. Vem cá, ela diz, te ajudo a levantar, mas não esqueça que o tênis sempre desamarra. E a bola de couro rola rua abaixo, o menino fica rubro de raiva e pensa: "que a bola volte sozinha, eu não vou buscar". A bola continua descendo, vertiginosamente pela rua abaixo. O menino resmunga que quer brincar, gosta do jogo e se senta num canto! Ah, garoto teimoso, a bola descerá cada vez mais rápido, a não ser que tu sejas mais rápido e corra atrás do prejuízo.

Depois de muito ouvir ele sai desatinado pela rua, desce a ladeira a passos largos, joelhos ralados, alcança o que quer e olha para a rua de volta. Ah, grande lomba a ser subida devagar. De volta à escola, ele pensa, não brincará tão alto e não perderá de novo. A não ser que arrisque todo o bom futebol de hematomas nas pernas, pra brincar, brincar, amar, viver, pensar, correr. E não deixar a bola ir embora de novo.


Ah, menino, não chore.
Tu és sensível e forte, como os super heróis.
Só não deixe de brincar de bola.
A vida passa e a gente nem sente.
E se olhar firme, de repente.
Lembra-te que a velha bola de meia repousa no mesmo lugar.

sábado, 25 de julho de 2009

DESvinculando




Ah, porque todos buscam a liberdade, se na maioria das vezes, se apegam aos outros com tamanho afinco, que por segundos parece, se forem embora, é como se tudo acabasse? Nascemos e morremos sozinhos, sem companhia, mas ainda assim queremos sempre uma muleta para nos sustentar.


Amor, amar, somos sim vinculados a estes dogmas da sociedade. E quanto tempo passamos sofrendo, buscando incansável e sempre, por um amor que julgamos de verdade? O mundo passando em velocidade máxima... e nós ali, patinando na mesma pista de gelo, achando que o sofrimento é nosso e não da 'torcida do Flamengo'. Somos domesticados e adestrados para o amor, como se a regra fosse uníssona, pronta e determinada. Como nestes rótulos de xaropes milagrosos. LEIA BEM A BULA. O amor pode ser prejudicial à saúde. E os efeitos colaterais não são indenizados pelo laboratório.


Que texto mal amado, amor é ouro, brilha como prata, sim, maravilhoso. Contanto que possamos administrar bem as doses, lembrando sempre que o elixir é para a saúde do nosso corpo e não para deixá-lo mais doente. E como a paixão é apenas um sintoma, não queira buscá-la a vida toda. Paixão evapora como água na chaleira. Mas se deixar em fogo alto, contradizendo os demais, dura mais.


Ah, quisera eu o mundo dos contos de fada.
Mas nele não existem jornalistas como eu, então, quem irá cobrir o casamento de Cinderela?
O mundo real pode ser mais divertido.




domingo, 19 de julho de 2009

Impossível não surtar - Parte I




Todos temos motivos diários para surtar (do verbo entrar em parafuso - cavocar o cérebro - bater o tico e o teco). Mas NENHUM é mais forte do que enfrentar o pior dos martírios diários de um ser humano. A destemida e temerosa BR 1 - 1 - 6. Sim, ela mesma, comprida que dá dó, repugnante como ela só. Uma via estreita, mal conservada, estupidamente o local favorito - e único - para se cruzar o Vale do Sinos à Capital. B e R, como tal, devem ser as iniciais de Bomba Radioativa, já que seus efeitos diários, ao longo do período, são máximos na arte de estressar um ser humano.


E aqui nem enquadro os bebuns desgraçados que bebem uns goles a mais e - diabos! - sempre se safam na hora de um acidente, matando invariavelmente um inocente - que de tão tolo não se ofereceu pra dirigir. Ou simplesmente estava na hora errada, no lugar errado, como amarrando os sapatos debaixo de um guindaste. Ah, a facínora rodovia da morte, sempre adorando engolir os que misturam álcool e direção, ou que por um tropeço do destino cruzaram com um da espécie. São os favoritos dela.


Mas fora este item, me refiro aqui à barbárie dos congestionamentos, provocados pelo bem aventurado financiamento de veículos que cresce vertiginosamente no Brasil. Sim, comprar um automóvel está cada vez mais fácil. Faça prestações em 5 anos e terás um carro 0km, cheirinho de novo que demora a sair. Mas não esqueça que terás que expô-lo a esta estrada do inferno. E a todos os seus acessórios:


- Os motoristas JUCAS e seus braços curtos, andando a 60km/h na pista da esquerda e freando o veículo na frente da Polícia Rodoviária Federal. Por favor, avise a todo motorista JUCA que vc conhece que aquilo é um contador de veículos e não um radar; os que estão aprendendo a dirigir; os desorientados, que não sabem em que viaduto entrar e ficam reduzindo em cada um que se aproximam; e os condutores de ônibus sonsos, que não precisam ser um do Centralão, mas também não precisam abusar da paciência do passageiro.


Culpa de quem comprar um carro?????? Oh, Deus, é claro que não!!!!! Culpa deste maldito governo que não planeja o crescimento desenfreado da frota e que bem dizemos aqui no interior, "querendo enfiar Porto Alegre dentro de Novo Hamburgo". Se a BR 448 vai sair do papel e o trem vai chegar em NH... só o bom Deus sabe. Até lá, vamos convivendo com este calvário, desejando do fundo do coração que a BR - sim, a bomba radioativa - caia bem no meio da rodovia, explodindo tudo e trazendo a sensação de caos máximo, porque assim a gente vive, comenta, registra e depois esquece. Já que doses homeopáticas de terror... Ninguém merece.