quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A consulta.




-Entre, Pedro Henrique.


Definitivamente, Pedro Henrique estava cansado de entrar no consultório de mais um médico. Já havia passado pelas mãos de tantos profissionais, que dava medo só de pensar. Em mais uma sala branca, PH já sentia os ares de uma consulta longa e maltrapilha. Já sentia, acima de tudo, que seria mais uma daquelas sessões onde ele se sentiria um mendigo. O mundo teria soluções pra tudo, menos pra ele.


- Pedro Henrique?


PH apressou-se. Passos largos em direção ao consultório, passou os olhos pela planta no canto esquerdo do seu campo de visão. Que bela planta, ele pensou. Nada mal para um consultório frio. Em todos os sentidos. O médico lhe abriu um largo sorriso (e Pedro Henrique pensou que tanta simpatia tinha a ver com o fato de seu plano de saúde ter vencido e ele pagara o salgado preço da consulta).


- Bom dia, Sr. Pedro Henrique. A que lhe devo a honra? (sim, o médico era extremamente simpático agora).


- Bem.. arh.... Dr.... é, ahn... Bom, Dr. Meu mal não sei qual é. Ando tendo um comportamento estranho, sabe? Às vezes penso que estou ficando louco.


- Não pode ser. Um rapaz jovem e cheio de vida! (sorriso amarelo)


- Obrigada Dr. (sensação reconfortante)


- Mas o que se passa afinal?


- Dr... eu sinceramente não sei. O problema é que ando falando coisas estranhas por aí. Às vezes penso uma coisa e falo outra. Em outras, meus conhecidos afirmam que digo uma coisa para uns e para outros digo exatamente o contrário. Não ando com opinião formada, penso que meus valores andam distorcidos, mas nem sei bem porque. Não consigo manter amigos ou amizades superficiais, porque sinto que as pessoas se decepcionam um pouco. Não suporto meu chefe e guardo por ele antipatia profunda, mas ainda assim sorrio pra ele, lhe ajudando inclusive a pendurar o paletó. Não consigo ver o sucesso dos outros, pois penso que deveria ganhar o mesmo que eles em valores, ainda que não tenha o mesmo talento. Penso que minha esposa é uma idiota sem cérebro, mas ainda assim elogio tudo que ela faz. Meus filhos são dois preguiçosos, mas insisto em me vangloriar aos que me encontram na rua. Prefiro "tirar o meu da reta" a emitir opinião. Gosto de fazer fofocas diversas, pra ver "o circo pegar fogo". Falo mal das pessoas e depois as protejo, como se o resto do mundo estivesse sendo injusto. E meu intuito no mundo é ver as pessoas caírem, mas....


- Mas?


- Mas sei que se derrubar qualquer pessoa, não terei condições de suprir o papel delas. Sou um incompetente. Um perdedor que perde tempo querendo derrubar os outros, criando situações patéticas, e que não cuida de si.


O Dr. olhou sério para Pedro Henrique. Primeiro de soslaio... depois fixamente. Depois anotou algumas coisas no receituário.


- E então, Dr.?


- Pedro Henrique... tu tens falsidade aguda. Mas não te preocupas. A falsidade não mata.


- E isso tem cura, Dr.?


- Não.


- E como é o tratamento, então?


- Não existe. Mas tente ser verdadeiro consigo mesmo uma, duas vezes por dia. Ajuda a amenizar outra doença que vai associada: ilusionite aguda.


Oh, sim, o mundo dos "duas caras" era de ilusão eterna. Os olhos nunca tinham o poder de discernimento correto. E o médico ficou feliz de ter sido verdadeiro com o paciente pela primeira vez, desde que ele entrara. O mundo sacrificava os sinceros. Por pura falta de caráter. E personalidade.


Consulta encerrada.

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