sábado, 18 de abril de 2009

Piedade




Quando um grande crime movimenta a cidade - principalmente quando ocorre na "high" hamburguense - ficam os dois lados da moeda: de um, a imprensa, preocupada em narrar os mínimos detalhes. Do outro, familiares, amigos, fechando os ouvidos e os olhos para o que é repassado pelos veículos de comunicação. É uma adrenalina dos dois lados. Interesses diferentes. Geralmente, a imprensa compreende os familiares, ainda que na maioria das vezes sejam denominados de "urubus". A família não compreende o trabalho dos jornalistas. E aqui cabe, não estou fazendo uma crítica. O bom repórter compreende que a família está dolorida. E não há como deixar de respeitar um momento como esse.


Quando o Maheus, operador da rádio ABC, me ligou às 06:04 da manhã de quarta, foi direto ao ponto: mulher matou irmã e sobrinha na Vila Rosa. Naturalmente, mesmo que quisesse, eu não conseguiria dormir de novo. Me aprontei rápido e fui pra lá. No primeiro boletim, peguei as informações com um sargento da Brigada. Na hora, não liguei os pontos. Só depois de chegar ao prédio, um luxuoso condomínio, me dei por conta de quem estávamos falando. Conheci a Roselani há cinco anos, quando trabalhava em uma agência de publicidade. Sim, naquela época a empresa já estava quebrando, mas ainda assim, a pose era a sempre a mesma.


Mas não quero aqui julgar a prepotência ou a depressão da empresária. É muita hipocrisia da parte das pessoas apontar agora uma mulher que cresceu em valores distorcidos. Na carta, ela se refere à mãe como "amarga". O pai se matou há alguns anos. A sobrinha, antes de morrer, se queixou à tia por não ter "uma mochila de marca". Toda a família parecia viver o Deus Dinheiro. E esse Deus é tão benevolente como maquiavélico.


Da história todos sabem, nos mínimos detalhes, por isso não vou aqui contá-la de novo. Mas ontem, três dias depois, quando a imprensa passa a buscar os últimos refugos do caso, localizamos o pai de Maria Francisca, um obstetra canoense. Quando liguei para o consultório, me passaram para um tal Cristiane, que foi concisa:


- "Cristiane, te peço que tenha piedade desta família. Já fomos massacrados pela tragédia, já perdemos nossa Chiquinha, já fomos esmerilhados pela imprensa. O que vocês querem? Só peço isso: PIEDADE." E desligou.


Naquele momento, me envergonhei de ser repórter. Sei que este é um pensamento passageiro, pois continuarei a contar histórias. Mas todo jornalista precisa disso para voltar os pés ao chão, desprendido de seu ego aniquilador. Estamos falando não só de Maria, Rosângela e Flávio. Estamos falando de muitas pessoas ligadas a eles. Incluindo uma mãe que vive sedada desde então, após ver uma filha matar a outra.


Aos que batem nas panelas da justiça, a outra personagem, Roselani, que de madame passou a malvada, terá sim, o seu pior castigo. Para ela, o martírio será continuar viva.


Por fim, digo agora, de cabeça fria, que o crime choca e revolta, mas não espanta. Novo Hamburgo está cheia de famílias com sobrenome bonitinho e fábricas falidas. E como se orgulham disso! Basta ir às famosas festas da "nata". Devem mundos e fundos. Mas perder a coluna social... jamais.

Nenhum comentário: