terça-feira, 3 de março de 2009

Os olhos da alma



Nada nessa vida surge por um acaso. As pessoas com que cruzamos, os amores que tentamos, os passeios que não fizemos e sonhamos. Eu acredito muito no acaso escrito. No que podemos aprender com palavras, gestos, emoções desconhecidas que só surgem na prática. E hoje foi um dia assim. Quando percebi que a generosidade está nas pequenas coisas, quando nos curvamos para a vida que, sublime, faz tudo na mais perfeita imperfeição. Quando com uma pequena atitude nós mudamos um dia. Ou uma vida inteira.


Pois que hoje o Anderson Dilkin, guri alto e bonito, aos 17 anos, resolveu visitar a Rádio. Vindo lá de Santa Maria do Herval - terra da minha família - o aspirante à jornalista se concentrou em aprender um pouco sobre a rotina do rádio. Participante do último Estúdio Aberto, programa que será extinto com uma nova grade na rádio - o Anderson prestou atenção em cada detalhe da programação. Reparou no stress, na loucura, na correria de quem faz a notícia, sem ser notícia. A rotina de quem faz um produto através de acontecimentos, que moldados ao gosto do freguês - ou não - se transformam em histórias de manchetes semelhantes, porém nunca iguais.


Cada dúvida que ia surgindo ia sendo respondida. O João Paulo, grande guri, alma limpa, colega da profissão, levou o Anderson pra conhecer o Grupo Sinos. E a cada passo que o Anderson dava, se via nos gestos o encantamento típico de quem está pela primeira vez em um parque de diversões. Me lembrou o dia em que o Novo Shopping foi inaugurado, em 1991. Novo Hamburgo ganhava sua primeira escada rolante, e no alto dos meus 9 anos, eu fiquei vendo aquela escada e imaginando que aquilo seria o máximo de tecnologia a qual o mundo poderia chegar. Eu estava petrificada. Eu fiquei emocionada.


E hoje, olhando pro Anderson, que na sua necessidade visual só vê o mundo com a alma, e não com os olhos, eu vi o quanto um pequeno homem estava ali, no grande adolescente. Cego de nascença, ele mostrava a cada minuto que somos tão pequenos em nosso olhar, que se restringe ao pequeno Universo que nos cerca. Rotulados em um sistema carcerário-libertino, presos a crenças e baboseiras que nos são ensinadas. Reféns de uma sociedade falida, comunidade do "pareça ser" e não do "seja". As aparências que surgem em nossos olhos, cansados da mesma coisa. O julgamento que fazemos de valor, o preço da sovina.


E penso que Deus não é injusto, mas poderia muitas vezes dar a todos a cegueira dos olhos, por um dia que seja, para um mundo mais feliz, mais leve, mais puro. Mais livre de qualquer preconceito, mais utópico, como o mundo nunca será.


A não ser para o Anderson, que busca ver o mundo do seu jeito. Enquanto outros continuam vendo o pequeno mundo que criaram. Onde não se abre a mente para nada. Onde é mais fácil fechar os olhos. E fingir que não se vê.


Onde o mesmo mundo de olhos fechados verá a diplomação de Anderson Dilkin, um dia bacharel em Jornalismo. E talvez nele esteja a esperança de um jornalismo descortinado de tudo. O texto perfeito, livre de arestas e, acima de tudo, das correntes que amarram nossa profissão. A visão perfeita de um mundo imperfeito.
A reportagem, única e verdadeira dos fatos.
A que vem da alma.

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